Você sabia que a família constituída pelo afeto tem ganhado popularidade, embora não seja amplamente conhecida?
A parentalidade socioafetiva e a multiparentalidade possibilitam que uma pessoa tenha mais de um pai ou mais de uma mãe.
É comum, por exemplo, que madrastas e padrastos criem um vínculo afetivo profundo com seus enteados, e, apesar de não possuírem o mesmo sangue, se consideram como mães ou pais dos enteados e vice-versa; esse vínculo, quando judicialmente reconhecido, acarreta diversas implicações.
Sendo assim, abordaremos o significado desses institutos, juntamente com tópicos importantes, incluindo os efeitos do reconhecimento deles e os procedimentos envolvidos para tanto.
O que é parentalidade socioafetiva?
A parentalidade socioafetiva vai além dos laços biológicos. Ela se refere à relação de cuidado, afeto e responsabilidade entre um adulto e uma criança, independentemente de existir ou não um vínculo consanguíneo entre eles, isto é, ser pai ou mãe não apenas pela genética, mas também pelo vínculo emocional.
O Código Civil, no artigo 1.593, define parentesco como natural ou civil, dependendo da consanguinidade ou de outra origem. Com efeito, o termo “outra origem” ampliou o conceito para que outras formas possíveis de parentesco pudessem ser ali incluídas.
A parentalidade socioafetiva reconhece que a formação e o desenvolvimento de uma criança não dependem apenas dos laços de sangue, ela também reconhece a importância da presença de quem ofereça amor, apoio emocional, orientação e suporte. Assim, uma pessoa que assume o papel de pai ou de mãe, mesmo que não tenha um parentesco biológico com a criança, pode desempenhar um papel fundamental em sua vida e em seu crescimento.
Podemos citar como exemplo padrastos e madrastas que se tornam pessoas significativas na vida de enteados. Da mesma forma, vemos avós criando netos como filhos, amigos próximos assumindo papéis de tios ou tias e casais homossexuais adotando crianças.
O que é multiparentalidade?
A multiparentalidade reflete a diversidade familiar na atualidade. Ela se dá quando uma criança tem mais de dois pais ou mães legalmente constituídos, sejam eles biológicos ou socioafetivos.
Portanto, existe uma grande relação entre a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva. Isso porque a parentalidade socioafetiva é um dos pilares da multiparentalidade, pois reconhece que os laços afetivos podem ser tão profundos e significativos quanto os de sangue.
A multiparentalidade pode se manifestar de várias maneiras, como por exemplo, em casos de famílias reconstituídas, uma criança pode ter um pai biológico, uma mãe biológica, um padrasto e uma madrasta que exercem a função de pais em sua vida. Em outras situações, casais homossexuais que adotam uma criança podem se tornar “multiparentais”, sendo ambos os pais legais dela.
Sendo assim, poderíamos dizer que multiparentalidade é a materialização, a constituição legal da existência da parentalidade afetiva. Ela possibilita a inclusão dos nomes de mais de um pai, de uma mãe ou de ambos no registro civil dos filhos.
Como se reconhece a multiparentalidade?
O reconhecimento da multiparentalidade, que inclui a filiação desejada na certidão de nascimento, pode ocorrer por vias judiciais ou extrajudiciais. No entanto, a segunda modalidade somente é permitida em alguns casos.
Conforme o Provimento nº 83/2019 do Conselho Nacional de Justiça, o reconhecimento extrajudicial (em cartório) pode se dar quando o beneficiário — filho ou filha — tiver mais de 12 anos, desde que ele manifeste a sua vontade expressamente perante o oficial do cartório. Até sua maioridade, faz-se obrigatório o consentimento do beneficiário.
Além disso, a maternidade ou paternidade socioafetiva deve ser estável e exteriorizada socialmente, ou seja, a relação deve ser pública, de conhecimento geral. Sendo assim, o registrador do cartório deverá atestar a existência do vínculo afetivo. Essa circunstância deverá ser comprovada pelas partes por documentos, como declaração de testemunhas, fotos, registros de que moram juntos, vínculo de casamento ou união estável com genitor biológico, entre outros.
No entanto, a ausência desses documentos não impede o registro. Apenas se faz necessário que se justifique o motivo da falta e que o registrador explique como apurou o vínculo afetivo sem os documentos. Posteriormente, é necessária a apresentação de parecer favorável pelo Ministério Público para a conclusão do procedimento.
Se o parecer for desfavorável e houver discordância, deve-se resolver a multiparentalidade judicialmente. Isso também acontece se há o desejo de inclusão de mais de um ascendente socioafetivo do lado paterno ou materno.
Os demais casos só poderão ser reconhecidos pela via judicial, com o auxílio de um advogado. Ele entrará com o pedido de reconhecimento apresentando toda a documentação necessária.
Importante ressaltar que é somente feita a inclusão do nome dos pais socioafetivos nos registros. Com efeito, não há, nesse caso, a exclusão da filiação dos pais biológicos como ocorre na adoção.
Quais são seus efeitos jurídicos?
Após o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, estabelece-se o vínculo, de modo que eles passam a ter as mesmas obrigações e direitos dos pais biológicos. Isso porque a Constituição Federal proíbe diferenciação entre os filhos, biológicos ou não, assim como ocorre na adoção.
Um dos efeitos impacta o nome parentesco, vez que o filho pode acrescentar o sobrenome dos pais, e, consequentemente, o vínculo reconhecido se estende aos demais graus e linhas familiares. Ou seja, estende-se aos novos avós, tios, irmãos, até o quarto grau. Na prática, isso significa que o vínculo produzirá efeitos para fins de impedimentos matrimoniais (para o casamento), por exemplo.
Além disso, os filhos têm o direito de receber alimentos, os direitos sucessórios, além dos direitos de visita e de guarda. Em suma, eles têm os mesmos direitos dos filhos biológicos.
Havendo necessidade para decidir sobre guarda, regulamentação de visita, pensão alimentícia e demais direitos, o juiz sempre decidirá considerando o melhor interesse da criança ou do adolescente. Essa é a prioridade.
Decerto, o pagamento de pensão alimentícia por um dos pais afetivos não substitui a obrigação do pai biológico. Uma obrigação não retira a outra, não há a sobreposição de deveres ou direitos.
Os pais, sejam biológicos ou afetivos, têm os deveres de sustentar, educar, dar apoio emocional e afetivo, proteger e garantir a segurança e manter os laços familiares dos filhos. O objetivo é garantir que eles tenham um ambiente familiar seguro e favorável ao seu crescimento saudável.
Quais as diferenças entre a adoção e a multiparentalidade?
Embora ambas tenham o objetivo de reconhecer e proteger os direitos das crianças, elas possuem aspectos diferentes entre si. O primeiro deles é a origem da filiação.
Na multiparentalidade, o filho já possui vínculos de filiação, sejam biológicos ou afetivos, havendo apenas a inclusão de outra filiação. Já na adoção, o filho adquire uma nova filiação, ocorrendo a exclusão dos pais biológicos dos registros.
Ademais, o processo para o reconhecimento do parentesco afetivo é mais simples, podendo ser judicial ou extrajudicial. Já o processo adotivo possui lei própria e é burocrático, iniciando no cadastro e inserção dos nomes dos pais na fila de adoção.
Além disso, na adoção, os pais biológicos perdem todo e qualquer direito e dever em relação aos filhos adotados; por outro lado, na multiparentalidade, todos os direitos e deveres são mantidos e estendidos para os novos pais.
Podemos concluir, portanto, que embora possuam semelhanças, são institutos diferentes.
A multiparentalidade é um instituto mais recente. Ele já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e cada vez mais tem sido utilizado para formar e aumentar famílias. O vínculo afetivo, por sua vez, é importantíssimo e, muitas vezes, mais valioso do que o biológico.
Assim, se desejado por todos, é possível registrar mais de um pai ou uma mãe na certidão de nascimento. Para isso, basta solicitar o reconhecimento e comprovar o afeto.
Consulte sempre um advogado especializado em direito de família para te orientar e requerer os seus direitos.
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