Cada vez mais se ouve falar sobre abandono afetivo. No entanto, muitos ainda não sabem o que realmente significa e nem quais as consequências da sua prática, tanto para os filhos quanto para os pais.
É muito importante entender do que se trata e saber diferenciar esse instituto, que costuma ser confundido com a alienação parental e com o abandono material, da pensão alimentícia.
Por isso, vamos esclarecer os principais pontos a respeito do tema.
O que é o abandono afetivo?
Como o próprio nome sugere, o abandono afetivo ocorre quando um ou ambos os pais negligenciam, ou não satisfazem adequadamente as necessidades emocionais e afetivas dos seus filhos. Ou seja, não envolve o aspecto financeiro, mas sim sentimental, não tendo relação com o pagamento de pensão alimentícia.
O abandono assume diversas formas, como pela falta de apoio emocional, psicológico e social, omissão, descaso, discriminação, negligência e indiferença. Por isso, é muito comum que ocorra após divórcios ou em relações conturbadas entre os pais. Nessas situações, apenas um dos genitores possui a guarda e o outro diminui as visitas ou até mesmo para completamente de visitar ou manter contato com os filhos.
Por exemplo, um pai que abandona o filho logo após o nascimento e não mantém nenhum tipo de contato. Então, o filho cresce sem ter visto o pai, recebido cuidado, carinho ou suporte emocional desse genitor na infância.
Não só a ausência física, a falta de envolvimento emocional como não demonstrar interesse ou preocupação, a negligência ao não validar os sentimentos e não fornecer qualquer apoio emocional, também caracterizam o abandono afetivo.
Diferente da alienação parental, pois não envolve um pai ou terceira pessoa afastando, ou prejudicando a relação com os filhos. Neste caso, é uma escolha dos próprios pais praticar esse abandono afetivo, é espontâneo, não havendo interferência de alguém.
O que diz a lei?
O abandono afetivo não está expressamente previsto em lei, ou seja, não está propriamente escrito na legislação, tratando-se de uma interpretação dos artigos da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil, que preveem os direitos das crianças e adolescentes e os deveres da família.
A CF prevê no artigo 227 que é dever da família assegurar à criança ou adolescente, dentre outras coisas, o lazer, a dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar. Além disso, têm o dever de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o ECA prevê em seu artigo 4º que é dever da família assegurar o direito à vida, saúde, educação, alimentação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária. Bem como, o artigo 1.634 do Código Civil estabelece os deveres dos pais em relação aos filhos, como criação e educação. Eles também devem exercer a guarda.
Desse modo, o abandono afetivo ocorre quando os pais descumprem o dever de garantir os direitos das crianças e adolescentes.
Quem pratica e quem é a vítima do abandono?
Como pais, os genitores, sejam eles biológicos, adotivos ou legais, são quem tem a obrigação legal de cuidar dos filhos e assegurar os direitos deles à vida, educação, alimentação, dignidade, convivência familiar e os demais citados anteriormente. Sendo assim, são eles os responsáveis pela prática de eventual abandono afetivo sofrido pelos filhos.
Neste caso, considera-se que apenas crianças e adolescentes podem ser vítimas do abandono afetivo dos pais. Portanto, pode ocorrer durante a formação, que é quando mais necessitam de apoio emocional, psicológico e afetivo dos genitores.
Entretanto, embora alguns acreditem que essa seja a única hipótese de abandono afetivo, não é. A obrigação familiar é recíproca, os filhos têm o mesmo dever em relação aos pais, principalmente na velhice.
Assim, os filhos também podem ser autores da prática do abandono afetivo em relação aos pais, o abandono afetivo inverso. Podemos citar como exemplo os idosos abandonados em asilos ou casas de repouso, sem nunca mais receber visitas ou ter qualquer contato com os filhos.
No entanto, vamos focar neste momento no abandono afetivo dos pais em relação aos filhos.
Quais as consequências emocionais?
A negligência em cumprir os deveres básicos como pais, pode causar diversos danos emocionais e psicológicos às crianças e adolescentes, que poderão afetá-los em várias áreas da vida. Esse descaso pode até causar um ciclo intergeracional. Afinal, o abandono pode ser transmitido por gerações, pois essas crianças repetem o padrão de negligência com seus próprios filhos.
As principais consequências para os filhos são problemas emocionais como de autoestima, depressão, medo, ansiedade, raiva e insegurança. Além disso, dificuldades em relacionamentos, problemas escolares e de comportamento são frequentes. Bem como, problemas de saúde física e mental e dificuldades na vida adulta, como lidar com situações estressantes, ter relacionamentos duradouros, entre outros.
Portanto, são problemas graves que afetam o desenvolvimento da criança e adolescente e ainda podem ter consequências no futuro, quando já adultos. Dessa forma, o abandono afetivo deve ser evitado e não pode ser negligenciado. É importantíssimo que a criança receba o devido suporte psicológico e faça tratamentos para minimizar os danos causados.
Quais as consequências jurídicas?
Segundo o art. 1.638 do Código Civil, o abandono afetivo pode levar à perda do poder familiar por decisão judicial. Isso significa que os pais perderão todas as prerrogativas de autoridade em relação aos filhos.
Além disso, é possível que seja retirado o sobrenome desse genitor do registro do filho. Desse modo, não mais constará o sobrenome dele em seus documentos de identificação.
Para isso, os filhos devem processar os pais que os abandonaram afetivamente. Quando menores de idade, o responsável legal, como o outro genitor, pode ajuizar a ação em nome da criança.
Após atingida a maioridade, entende-se pela lei que o filho possui o prazo de três anos para ajuizar a ação. Portanto, teria até os 21 anos para processar o genitor que o abandonou.
Afinal, gera direito à indenização?
No ano de 2022, o Superior Tribunal de Justiça condenou um pai que abandonou afetivamente a filha, quando ela tinha apenas 6 anos, a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$30 mil reais. Antes disso, havia ações e sentenças sobre o assunto, mas a partir daí o conhecimento sobre o abandono afetivo aumentou. Desde então, a jurisprudência vem se consolidando.
É possível, portanto, que ocorra a condenação do genitor que abandonou os filhos a pagar indenização, tanto moral quanto material. No entanto, depende do caso, da gravidade e também da comprovação efetiva do abandono e dos danos causados por ele.
Aquele que pratica o abandono afetivo comete um ato ilícito, já que descumpre um dever previsto em lei. Assim, quem comete ato ilícito causando dano a outrem deve repará-lo, geralmente por meio de pagamento de indenização. Esse dever de reparação é chamado de responsabilidade civil.
Desse modo, ajuizada a ação e comprovado o abandono afetivo e os danos decorrentes desse abandono, o genitor pode ser condenado a pagar indenização por danos morais. Neste caso, os danos representam uma compensação por todos os problemas psicológicos sofridos pelo filho, por exemplo. Também é possível a condenação por danos materiais, para restituir, por exemplo, o valor gasto com tratamentos psicológicos.
Assim sendo, não há valor mínimo, máximo ou parâmetro para a indenização em caso de condenação. Dependerá de cada caso e, como dito anteriormente, da comprovação e da extensão dos danos.
Consulte um advogado
É importante destacar que para analisar corretamente o caso e ajuizar a respectiva ação, deve-se consultar um advogado especialista em Direito de Família. Trata-se de um problema com consequências graves e, portanto, deve-se buscar evitá-lo e minimizar possíveis danos.